Autopercepção: uma busca atenta no redemoinho da vida
02/06/2023
De uma forma ou de outra, diariamente, somos jogados no redemoinho da vida. A correria dos tempos atuais, a cobrança no trabalho, as exigências para a manutenção da própria existência com um mínimo de dignidade – sempre em risco devido as dinâmicas econômicas que nos rege – tudo, nos joga em um redemoinho e, quando menos percebemos, podemos nos ver arrastados por ele, em situações pouco confortáveis. Perceber esse movimento, essa dinâmica, não é uma tarefa fácil, pois a eficiência do redemoinho está, justamente, em nos tirar do centro, em nos desestabilizar, nos fazendo seguir no automático, na irreflexão. Assim, a autopercepção é uma tarefa de insurreição, altamente subversiva.
Escrevo este texto inspirado em um fato que aconteceu comigo. Venho tentando ser alguém que seja capaz do autocontrole, que pense antes de falar, que visualize as consequências dos atos que serão tomados e decida, conscientemente, tomá-los ou não. Não é algo fácil! É uma construção e, como toda construção que deseja permanecer no tempo, exige de mim, para que um dia se torne sólida construção, atenção nas estruturas que vão se tecendo, observação aos mínimos detalhes possíveis. Assim, aos perceber um desvio, logo podemos atentar-se a ele e buscar a sua causa, reorientado as ações que levaram ao mesmo.
Certo dia, ao iniciar minhas atividades como professor, me vi em uma situação de desvio, de repente, gritando com um aluno, na primeira aula do dia, pedindo para o mesmo se retirar da sala e ir para a direção. Na mesma aula, poucos minutos depois, percebi que havia caído no redemoinho e vi a necessidade de reelaborar as bases que eu estava construindo sobre a minha autopercepção. É no tumulto que podemos observar se estamos, ou não, no controle dos nossos atos.
Após a aula, refletindo sobre o que ocorreu, pude visualizar a rotina anterior ao momento do descontrole que tive em relação ao aluno. Preciso deixar claro que me incomodou, me provocou, o fato de ter saído do meu centro, justamente, na primeira aula do dia. E pensando sobre o ocorrido, pude verificar que uma série de fatos mal resolvidos, naquela manhã, abriram caminho para o descontrole em sala e, considerei, assim, a minha atitude, uma ação injusta com o aluno. Os fatos que antecederem a primeira aula e que não estavam bem resolvidos para mim: a tenção de conseguir um outro cargo para complementar o salário; a falta de compromisso do meu filho mais novo com o horário de estudo; a falta de comprometimento do meus filhos mais velhos com a rotina da casa; Saí de casa com essas questões mal resolvidas e um breve instante de tenção me fez perceber como ainda preciso atentar-me à necessidade da auto-organização para chagar ao equilíbrio e, assim, ser capaz, nos momentos de tenção, de agir com mais maestria emocional e tomar decisões mais inteligentes e, neste caso específico, mais pedagógicas.
A Autopercepção exige uma busca atenta no redemoinho da vida. Esse movimento é fácil? Não! Não é fácil. Mas é possível. Para isso precisamos ter clareza de que somos seres dignos de algo muito maior e que merecemos esse Algo Maior que a vida tem a nos oferecer. Mas ele precisa ser conquistado, pois as dinâmicas diversas da vida, como as dinâmicas injustas da economia atual, se alimentam no nosso caos e, por isso, precisam que estejamos no redemoinho. Autoperceber-se parece, então, um ato revolucionário e como todo ato revolucionário envolve tensões, mas a calmaria que vem depois é o prêmio, um prêmio que exalta a dignidade humana, ao longo da história, tão ameaçada.
Fábio Cavalcanti